“as is” by Tomás Cunha Ferreira

Finding Our Tongues

If you ask me about the meaning of Tomás Cunha Ferreira’s work, if I’m questioned about what he’s been up to, swaying to and fro between word and image, between poetry and painting, I can only answer: he’s been searching for our tongues. Usually, neuroscientists or paleo-anthropologists are the ones concerned with the task of finding the origin of languages. But we must recognize – they are not the only ones. An artist like Tomás Cunha Ferreira does nothing but to find out what kind of a trick this is, how and why humans come to it, how its cloth unfolds, and what astounding secret determines that at the roof of the mouth should burst, not only audibly but also visibly, all languages.

Of course Tomás Cunha Ferreira plays around, and in his art lies a ludic project to clutter established formats, to unravel the borders of know-hows, redistributing in unpredictable ways supports and representation roles: reminding that linguistic elements have a triadic purpose (verbal, vocal and visual), which must be regained; insisting that word is color and color is sound, a measure of sound; that if sound has a visuality, the visual too resonates (or can resonate) in a laboratory and performative way; that what we know of poetry gets us closer to painting and what we know of both burns better, is felt better, in the handmade edge of silence.

Of course Tomás Cunha Ferreira plays around, and there’s a wonderful sense of fun that takes us from one surprise to the other when we get acquainted with his work. But let us not deceive ourselves: his work is as specialized and meticulous as the work of a neuroscientist; he adheres to the solitude of paleontologists who worn themselves out in distant expeditions to accomplish nothing less than the identification of origins.

Two theories about the origins of language are now practically taken as given: one that we can call “communicational genesis” (where it is argued that we use language to move thoughts from our mind to another person’s mind) and another theory called “cognitive genesis” (which holds that languages have been activated not by the immediate need to communicate but by organizing our own thoughts and perceptions to ourselves). These two theses consider language as “cosa mentale”, that is, a fact that has more to do with thinking than with the body, more with the transit of reasoning than with the exchange of emotions. Nevertheless, not so long ago I read a curious essay by anthropologist Dean Falk, “Finding Our Tongues: Mothers, Infants and the Origin of Language” (Basic Books, New York 2009), in which she proposes another theory. Falk writes that each of us begins, in early childhood, to use linguistic sounds not exactly to communicate or think, but to stay in touch with those who take care of us. Words are thus the verbalization of the pleasure we feel for each other. Deep down, whatever we say, we say it to bring the other closer or to hang on to us, to delay or deny their absence, to tell how significant one is to us. Human language is, from its outset, the adventure of relationship.

Tomás Cunha Ferreira’s art describes this adventure and emphasizes it. Its program is the same: “relationship”, “put everything in relation”. And, for this purpose, he dialogues with a multitude of genealogical forerunners, of which I would like, in conclusion, to name two. The philosopher Simone Weil argued that the best translation for the prologue to the Gospel of St. John, “In the beginning was Logos” (John 1: 1) would be: “In the beginning was relation.” And the monk-poet, Dom Sylvester Houédard, who thus explained his poetry: “i see my typestracts as icons depicting sacred questions – dual space-probes of inner & outer … they should probably be viewed like cloud-tracks & tide- ripples – bracken-patterns & gull flights – or simply as horizons & spirit levels.”

This is how I see Tomás Cunha Ferreira’s work.

José Tolentino de Mendonça

(* Poet, Archivist and Librarian of the Holy Roman Church)

Finding Our Tongues

Se me perguntarem pelo significado do trabalho artístico de Tomás Cunha Ferreira, se me interrogarem sobre o que anda ele a fazer balançando-se entre palavra e imagem, entre poesia e pintura, eu só posso responder: ele anda à procura das nossas línguas. Normalmente quem se ocupa da tarefa de descobrir a origem da linguagem são os neurocientistas ou os paleoantropólogos. Mas temos de reconhecer que não só. Um artista como Tomás Cunha Ferreira não faz outra coisa se não averiguar que truque é este, como e porquê os humanos chegam a ele, como se desdobra o seu pano, e que estrondoso segredo determina que no céu da boca rebentem de forma não apenas audível, mas também visual todas as línguas. Claro que Tomás Cunha Ferreira joga e há na sua arte um lúdico projeto de desarrumar as formas estabelecidas, de despentear as fronteiras dos saberes, redistribuindo de modo imprevisível os suportes e os papéis de representação: recordando que os elementos linguísticos têm uma função triádica (verbal, vocal e visiva), que deve ser recuperada; insistindo que a palavra é cor e a cor é sonoplastia, uma medida de som; que se o som tem uma visualidade, também o visual ressoa (ou pode ressoar) de forma laboratorial e performativa; que o que sabemos da poesia nos serve para nos aproximarmos da pintura e que o que conhecemos de ambas arde melhor, tateia-se melhor no extremo artesanal do silêncio. Claro que Tomás Cunha Ferreira joga, e há um maravilhoso divertimento que nos leva de surpresa em surpresa, quando contactamos com o seu trabalho. Mas não nos enganemos: ele é tão especializado e minucioso como a obra de um neurocientista; ele adere à solidão dos paleontólogos que se gastam em longínquas expedições para realizar nada menos que a identificação das origens.

Dão-se hoje, praticamente como adquiridas, duas teorias sobre as origens da linguagem: uma que podemos designar “génese comunicacional” (onde se defende que recorremos à linguagem para fazer passar os pensamentos da nossa cabeça para a cabeça de outra pessoa) e outra teoria chamada “génese cognitiva” (que sustenta que as línguas se ativaram não pela necessidade imediata de comunicar, mas sim de organizar para nós mesmos os nossos próprios pensamentos e perceções). As duas teses consideram a linguagem como “cosa mentale”, isto é, um dado que tem mais a ver com o pensamento do que com o corpo, mais com o trânsito de raciocínios do que com a troca de emoções. Li, porém, há não muito tempo, um curioso ensaio da antropóloga Dean Falk, “Finding Our Tongues: Mothers, Infants and the Origin of Language” (Basic Books, New York 2009), em que ela propõe uma outra teoria. Falk escreve que cada um de nós começa, na primeira infância, a utilizar os sons linguísticos não propriamente para comunicar ou pensar, mas sim para permanecer em contacto com aqueles que tomam conta de nós. As palavras são assim a verbalização do prazer que sentimos pelo outro. No fundo, o que quer que digamos, dizemo-lo para avizinhar ou reter o outro perto de nós, para retardar ou desmentir a sua ausência, para narrar quanto ele é importante para nós. A linguagem humana é, por isso, desde o início, aventura de relação.

A arte de Tomás Cunha Ferreira descreve essa aventura e centra- se nela. O seu programa é esse mesmo: “relação”, “colocar tudo em relação”. E, para esse propósito, dialoga com uma multidão de antecedentes genealógicos, dos quais gostaria, ao concluir, de nomear dois. A filósofa Simone Weil que defendia que a melhor tradução para o prólogo do Evangelho de São João, “No princípio era o Lógos” (Jo 1:1) seria: “No princípio era a relação”. E o monge-poeta, Dom Sylvester Houédard, que explicava assim a sua poesia: “i see my typestracts as icons depicting sacred questions – dual space-probes of inner & outer … they should probably be viewed like cloud-tracks & tide-ripples – bracken- patterns & gull flights – or simply as horizons & spirit levels.”

É assim que vejo o trabalho artístico de Tomás Cunha Ferreira.

José Tolentino de Mendonça

( *Poet, Archivist and Librarian of the Holy Roman Church)

Tomás Cunha Ferreira combines various supports, in a cross-border and open circuit practice – they function as prototypes, which can take on various stages and states – as reading scores, notations, visual poems, emblems, patterns, paintings, murals, etc. To this extent, each work results in a condensed hybrid figure, whose reading is in constant transition between visual elements and rhythmic or sonic ones.